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Jornal de hontem julho 2015

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Cuiabá de açúcar, paixão política e sangue

PORTELA, Lauro

            Os acontecimentos narrados pelo jornal “A Colligação” de 12 de julho de 1906 dão conta do levante armado de que foi palco Cuiabá, entre os meses de maio e junho de 1906. Liderados pelos coronéis da Guarda Nacional Generoso Paes Lemes de Sousa Ponce e Pedro Celestino Corrêa da Costa, a luta armada culminou com prejuízos materiais e mortes, sendo a mais conhecida a do então presidente do estado de Mato Grosso, o coronel da Guarda Nacional Antonio Paes de Barros – também conhecido como Totó Paes. Nas palavras dum articulista anônimo: “… onze dias de combate renhido e cruento, durante os quaes foram postos à dura prova a coragem de quatro mil e tantos mato-grossenses patriotas e os sentimentos humanitarios do mais impiedoso coração, diante do quadro tristissimo de pobres mulheres e innocentes creanças ceifadas pela metralha dos canhões do governo”. (ALBO Lapillo…, 12 jul. 1906, p. 1)

            Antes de 1906, Cuiabá havia sido sitiada outras duas vezes: em 1892 e em 1899. Em todas estas ocasiões, o coronel Generoso Ponce esteve envolvido diretamente como liderança política e militar. Em duas ocasiões, 1899 e 1906, Ponce e Totó Paes se rivalizaram em trincheiras opostas, com uma derrota para cada lado, sendo a última fatal para Paes de Barros.

            O jornal “A Colligação”, por ser um periódico ligado ao partido político de Generoso Ponce, a “Colligação Matogrossense”, procurou legitimar a vitória deste coronel, elevando-o ao patamar de herói militar: “verdadeiro spartano”. Ao mesmo tempo, construiu uma imagem negativa do coronel derrotado, Antônio Paes de Barros: “tyranno”, e de “acanhado cultivo intellectual”, ou “homem sem preparo intellectual”. As manobras militares realizadas tanto por Ponce quanto por seu fidelíssimo aliado político, coronel Pedro Celestino, à frente daquilo que eles próprios denominaram “Divisão Naval Libertadora” e “Coluna do Norte”, respectivamente, assumem nos textos posteriores ares de epopéia: “Esse brado angustioso e afflictivo, que repercutio sonoro por todos os angulos do Estado, encontrou em cada parte, em cada coração patriota, uma muralha inexpugnável contra o despotismo, contra o estado de anarchia, contra a escravidão e contra o esphacelamento do nosso berço querido, accorrendo todos ao nosso appello, empunhando armas e transformando-se – de cidadãos pacificos que eram – em verdadeiros guerreiros, promptos a derramar a ultima gotta de sangue, em defea da causa sacrosanta da nossa liberdade, da reivindicação dos nossos direitos, postergados por um homem sem entranhas, sedento de sangue humano!” (A NOSSA Victoria, 22 jul. 1906, p. 1)

            Esses levantes armados não são fatos isolados da memória mato-grossense. Inserem-se no contexto estrutural da Primeira República brasileira (1889-1930), principalmente no que diz respeito a fatores como o federalismo, a “política dos governadores” e a Guarda Nacional. Representou, em suma, o deslocamento das disputas políticas do centro de poder, no Rio de Janeiro, para os estados. Além de Mato Grosso, muitas outras unidades federativas tiveram conflitos armados envolvendo grupos políticos locais. O romance “Gabriela, Cravo e Canela”, de Jorge Armado, e as disputas entre o coronel Bastos e Mundinho Falcão, retratam, em certa medida no interior baiano, esse período de uma República dominada por coronéis.

            E muito embora assumam, no contexto regional, ares de “revolução”, em nada revolucionam. São apenas episódios de disputas políticas num contexto de inexistência de partidos de âmbito nacional, e/ou existência efêmera de partidos políticos estaduais, somando-se a isso uma forte personalização da política.

            Antônio Paes de Barros, Generoso Ponce, Pedro Celestino Corrêa da Costa, entre outros, foram, além de presidentes do estado, coronéis da Guarda Nacional. Isso explica, além do sucesso eleitoral, via fraude, a facilidade de mobilização de “tropas” contra inimigos políticos. Como foi transcrito do jornal, o articulista de “A Colligação” dá conta de “… quatro mil e tantos mato-grossenses…”. Em 1899, o próprio coronel Antônio Paes de Barros subiu o rio Cuiabá à frente de três mil homens armados, além de uma cavalaria de 600 guarda-nacionais da 6.ª Brigada de Cavalaria da Comarca de Santo Antônio do Rio-Abaixo (hoje município de Santo Antônio de Leverger).

            Voltando ao fato narrado: na madrugada de 6 de julho de 1906, o presidente Antônio Paes de Barros foi assassinado na Fábrica de Pólvora do Coxipó (localizada no atual distrito do Coxipó do Ouro) por uma tropa de guardas comandada pelo coronel Joaquim Sulpício de Cerqueira Caldas. Totó Paes se encontrava refugiado pelo diretor da fábrica, major F. Feliciano de Paes Barreto, mas foi denunciado pelo funcionário João Damasceno da Silva (depois demitido por “cobardia” e “deslealdade”, como posteriormente justificou o major).

            O cadáver do ex-presidente do estado foi encontrado à beira do córrego com marcas de violência e saque, conforme palavras do já general Dantas Barreto, sendo sepultado numa cova rasa na antiga Fábrica de Pólvora. Em 1911, sua viúva solicitou e conseguiu autorização para o traslado dos seus restos mortais para o Rio de Janeiro, deixando no antigo local de sepultura, no Coxipó, um túmulo simples, mas vazio. À viúva, dona Úrsula Ângela Paes de Barros, coube o exílio na capital federal após ver os bens da família serem leiloados em praça pública, principalmente a famosa usina de açúcar do Itaicy (ainda hoje podem ser vistas suas ruínas à margem do rio Cuiabá, no município de Santo Antônio de Leverger). Morreu em 1915, segundo notícia a Câmara Municipal de Santo Antônio, sendo sepultada ao lado do marido.

Jornais referenciados:

A Colligação, Cuiabá, n. 35, 12 de julho de 1906. A Colligação, Cuiabá, n. 36, 22 de julho de 1906.

 

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